Capítulo 7 – Como podemos confiar que realmente ocorreu o que a Bíblia diz?
Muitos ensinam que a Bíblia parte de tradições orais e doutrinas retrógradas de igrejas locais e suas necessidades. Ao longo do tempo, lendas eram incorporadas e, quando finalmente escritas, ficava difícil discernir. Eles afirmam que o Jesus histórico era um mestre carismático do qual os seguidores criaram lendas e reprimiram qualquer outra posição sobre ele.
Essa visão mais cética vem desmoronando com as evidências, mesmo sendo popularizada por romances como O Código Da Vinci. Como dizia C. S. Lewis: você precisa fazer uma escolha, ou Ele era o Filho de Deus ou um maluco. As afirmações de Cristo não eram sobre moralidade, mas sobre sua natureza.
Assim como Anne Rice (Entrevista com o Vampiro), basta ler os artigos dos especialistas de tais teorias para perceber a fragilidade dos argumentos: “pressuposições sem dado algum”. Anne afirma que, durante décadas de ateísmo, viu alguns dos mais preconceituosos e piores trabalhos acadêmicos sobre o tema.
O Seminário Jesus é um grupo que visava estudar “o Jesus histórico”. Nos últimos anos, eles vêm recebendo diversas críticas pela fragilidade de seus métodos, já que uma de suas premissas era: “Só podemos confiar na Bíblia naquilo que ela não carrega marcas do judaísmo e do cristianismo do primeiro século”. Mas tal premissa não faz sentido, pois exige que Jesus ou seus seguidores não apresentem marcas de seu contexto.
Os Evangelhos foram escritos cerca de 40 anos após a morte de Cristo; as cartas de Paulo, cerca de 15. Isso significa que a maioria das afirmações canônicas sobre a morte, milagres e ressurreição estavam em circulação na época em que as centenas de testemunhas de seu ministério ainda estavam vivas. O próprio Lucas afirma que seu relato é com base nessas testemunhas (Lc 1:1-4). Os Evangelhos dão nomes às fontes do texto como forma de garantir a autenticidade. Não há motivo para Lucas, por exemplo, incluir o nome de referências vivas caso os leitores não conhecessem tais pessoas, e caso ele não estivesse disposto a arriscar sua credibilidade. É como se ele dissesse: “Testem o que eu estou falando, podem perguntar para tal pessoa”.
Paulo também dava referências para que as pessoas pudessem conferir a veracidade de suas falas. Ele cita as mais de 500 testemunhas que viram Cristo ressurreto. Ninguém descreve isso em um documento destinado à leitura pública sem que realmente essas pessoas existam, estejam vivas e confirmem tal fato.
Hoje, praticamente todos os historiadores sérios confirmam isso. Mas, na época do Iluminismo francês, no século XIX, corria a história (sem respaldo) de que os dados miraculosos eram adições aos relatos bíblicos. No entanto, nos últimos anos, a descoberta de novos manuscritos obrigou até os acadêmicos mais críticos a admitir que os textos foram escritos muito antes.
Todos esses fatos refutam a ideia de que os Evangelhos foram tradições anônimas, coletivas e que foram se desenvolvendo aos poucos. Não eram apenas os seguidores de Jesus que continuavam vivos, mas também observadores, autoridades e até opositores que efetivamente viram e ouviram seu ministério. Esses seriam os mais interessados em contestar sua veracidade. Para que um relato fictício se sustente e se fixe no imaginário popular, é necessário que as testemunhas e opositores (bem como filhos próximos) tenham morrido há muito tempo, para que não venham a contradizer e desmascarar as afirmações. Os Evangelhos foram escritos cedo demais para permitir um desenvolvimento lendário. Se Jesus não tivesse feito aquilo que Paulo e os demais com confiança propagam, seria impossível a fé se disseminar da forma que ocorreu, levando até mesmo ao martírio. Diferente de qualquer religioso hoje, eles podiam checar os fatos.
Ninguém poderia dizer que Jesus foi crucificado se milhares de pessoas soubessem que não. Ninguém poderia dizer que Ele ressuscitou se não houvesse um túmulo vazio e diversas testemunhas. Essas afirmações provocariam gargalhadas em quem ouvisse — e não conversão.
Todos os livros citados pelos críticos, como os Evangelhos gnósticos de Tomé, são facilmente rastreados por especialistas como advindos da cultura siríaca, que não surge antes de 175 d.C. Tais livros vieram tão depois dos relatos originais que não ameaçam em nada a fé cristã. Da mesma forma, uma afirmação feita hoje não fala mais sobre o dia da Constituição Americana do que aquelas feitas por quem estava lá. A ideia mostrada em filmes como O Código Da Vinci, de que Constantino “inventou a divindade de Cristo”, é uma ficção, pois nas próprias cartas de Paulo, que eram exatamente do mesmo período de Cristo, já se vê adoração a Ele como Deus (Fp 2). Tais fatos também demonstram que o cristianismo não precisou do apoio estatal de Roma para vencer a guerra pela atração humana, mas já fazia isso muito antes de tal apoio, que veio apenas a ser consolidado. O cristianismo já tinha vencido, e o imperador queria apoiar o vencedor.
Uma outra narrativa utilizada é a de que a Bíblia foi selecionada como forma de apoiar o poder dos mestres da igreja. Se isso tivesse realmente acontecido, seria comum ver trechos bíblicos que tratassem sobre assuntos em pauta, e não é o que ocorre. Por exemplo, um dos principais temas de discussão da igreja no período era se gentios deviam se circuncidar. Foi amplamente discutido e debatido, entretanto, não vemos um só trecho dos Evangelhos onde Jesus fale algo sobre. A única resposta coerente a isso é que a igreja não se sentia à vontade em forjar coisas que Jesus não disse. Por que os mestres teriam inventado a crucificação? Sendo que qualquer ouvinte desconfiaria de alguém culpado? Por que inventariam que Jesus, no Getsêmani, pediria para ser livrado por Deus de sua missão? Essas coisas só confundiriam e afastariam os crentes do primeiro século. Por que manter que as mulheres foram as primeiras a presenciar a ressurreição, perante uma sociedade que nem aceitava o depoimento feminino em um tribunal? Como retratar os líderes da igreja (apóstolos) como covardes, mesquinhos e invejosos ajudaria no poder de autoridade da igreja? Por que ressaltar os fracassos de seu líder mais importante em Roma? O único motivo para todos esses fatos estarem ali é que eles realmente aconteceram.
O gnosticismo é uma doutrina que trata o mundo como uma prisão espiritual que precisa ser iluminada pelo conhecimento secreto. Uma doutrina coesa com o pensamento grego e romano, mas totalmente distinta do judaísmo e cristianismo. Portanto, ao contrário do que diz O Código Da Vinci, quem tentava bajular o poder vigente eram os livros gnósticos, e não os Evangelhos cristãos. O Evangelho com ênfase nos pobres e oprimidos, e que valorizava a criação material como algo positivo, é que ia contra o poder dominante no mundo greco-romano.
Lewis, como grande conhecedor de literatura antiga, afirma que, se tem uma coisa que a Bíblia não é, é uma ficção. Ele diz que a ficção antiga em nada se parece com a moderna. A ficção moderna é realista, apresenta detalhes e diálogos que simulam fatos reais, mas a ficção antiga, nas lendas, isso só era presente se evoluísse a narrativa do personagem. É por isso que, quando lemos Beowulf ou A Ilíada, não vemos trechos onde os personagens se dão conta da chuva ou adormecem suspirando. Nos romances modernos, os autores acrescentam detalhes justamente para passar um realismo. Na Bíblia, vemos narrativa de que Jesus dormiu no barco sob uma almofada, vemos a distância que Pedro estava da praia quando Jesus aparece, diz quantos peixes eles pescaram. Nenhum desses detalhes é relevante para a trama. A única explicação para que um autor antigo colocasse esses detalhes é que eles ficaram guardados na sua memória.
Pesquisas com psicólogos demonstram que a memória recordativa é seletiva — ela se apega a detalhes que parecem irrelevantes justamente porque se foca na percepção individual. São formas de nossa mente conseguir recapitular coisas. Os apóstolos se fixavam nesses pontos porque eram estimulados a sempre estarem relembrando o que Jesus tinha feito. É por tudo isso que o academicismo moderno vem duvidando cada vez menos dos relatos bíblicos tradicionais do que os acadêmicos antigos.
Muitas pessoas tecem outro tipo de crítica, como, por exemplo, os versículos “indigestos”, como: “Escravos, obedecei a vossos senhores”. Mas muito do que lemos por cima pode ser esclarecido com outros pontos de vista, partindo de bons comentários. É normal que o cidadão de hoje lembre-se imediatamente do escravo negreiro do século XVIII e pense que o texto esteja defendendo tal prática. Quando o Novo Testamento foi escrito, não existia grande diferença entre o cidadão livre médio e o escravo — que não se diferenciavam por classe, roupas ou raça, não eram segregados e tinham o mesmo estilo de vida. Muitos deles podiam comprar sua liberdade em poucos anos (e muitos o faziam), tinham capital pessoal e salário. A escravidão no Novo Mundo foi sistematicamente mais cruel. Nela, o escravo era uma coisa e pertencia ao seu senhor, podendo ser estuprado ou morto por ele. A escravidão africana se baseava em raça, ocorria mediante sequestro e era para sempre. Então, embora cristãos não tenham se rebelado contra a escravidão do primeiro século, muitos o fizeram contra a escravidão do Novo Mundo. As doutrinas cristãs antiescravagistas começaram já a surgir após a queda de Roma, o que causou um desaparecimento histórico dela na Europa cristã. Quando ela surge novamente no Novo Mundo, recebeu oposição papal — fatos que desaparecem propositalmente dos livros de história. Mesmo assim, mais tarde, tal escravidão caiu devido ao ativismo cristão, já que somente no Ocidente surge oposição a tal prática.
Sendo assim, percebemos que a “indigestão” com algumas passagens é, muitas vezes, irrefletida e se baseia em um anacronismo e na crença na superioridade de nosso momento histórico. Rejeitar a Bíblia como retrógrada é desconsiderar os detalhes do momento, os desafios e partir do princípio de que chegamos ao momento histórico definitivo e superior, que nos capacita a julgar todas as outras épocas. Normalmente, achamos tais povos primitivos e retrógrados, mas em breve outros povos acharão o mesmo de nós. Como podemos, então, nos usar como parâmetro para julgamento? Já que nossos netos provavelmente se envergonharão de coisas que fazemos hoje? Quem disse que o progresso é linear e sempre está melhorando? Manter-se longe do cristianismo porque você pressupõe que, se Deus existe, Ele não pode ter nenhuma visão diferente da que você gosta ou aprova é algo coerente? Por não gostar do que a Bíblia fala sobre homem e mulher, você nega que Jesus ressuscitou dos mortos? Devemos focar primeiro nas afirmações centrais do cristianismo para depois debater as laterais. Afinal, se permitimos que nossas impressões irrefletidas nos afastem da verdade de Deus, isso custará um preço muito caro. Se você não confia em Deus ao ponto de permitir ter sua forma de pensar desafiada e corrigida, como pode desejar um relacionamento verdadeiro? Você precisa realmente eliminar tudo aquilo que ofende sua sensibilidade ou contraria suas vontades? Não é possível encontrar a realidade assim, pois, se não, você acabará adorando um deus criado e imaginado por você — e não o Deus real. Somente se estivermos dispostos a julgar nossos pensamentos é que poderemos nos encontrar com o Deus real.
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