When Giants Were Upon the Earth - Capítulo 2 - A Assembleia Espiritual

 


Salmo 82:1

“Deus tomou o seu lugar no conselho divino; no meio dos deuses, ele julga.”

Uma das premissas centrais da saga Crônicas dos Nefilins, escrita por Brian Godawa, é ousada: os deuses do mundo antigo eram, na verdade, seres espirituais reais — seres angelicais com poderes sobrenaturais.

Este capítulo propõe a teoria de que esses deuses não são meras invenções mitológicas, mas sim os "filhos de Deus" (em hebraico, bene ha elohim) mencionados na Bíblia — seres celestiais que se rebelaram contra o conselho divino e desceram à Terra com o propósito de corromper a criação e enganar a humanidade.

Mas afinal, quem são esses Filhos de Deus? E quem são os Nefilins?

O estudioso Robert Newman analisou a história da interpretação dessa passagem e mostrou que, até o primeiro século d.C., a visão predominante — praticamente unânime — era sobrenatural: os Filhos de Deus eram anjos caídos, também chamados de “Vigilantes”, que transgrediram a fronteira entre o céu e a Terra ao se unirem com mulheres humanas. O resultado dessa união proibida foi o surgimento dos Nefilins — híbridos gigantes e poderosos, uma abominação que ameaçava a ordem divina.

No entanto, a partir do segundo século, alguns Targumim (comentários judaicos sobre a Torá) começaram a reinterpretar esses “filhos de Deus” como governantes humanos ou juízes dinásticos. Por quê? É possível que essa mudança tenha sido uma reação teológica ao crescimento do cristianismo, que proclamava Jesus como o Filho unigênito de Deus — um ser divino que se encarnou. Para os rabinos que rejeitavam essa doutrina, a antiga visão sobrenatural dos Filhos de Deus parecia perigosamente próxima da cristologia. Essa reinterpretação foi, portanto, uma tentativa de afastar-se da linguagem e das ideias associadas tanto a Jesus quanto ao livro de Enoque.

No mundo cristão, surgiu uma outra teoria chamada de visão setita, popularizada por Júlio Africano e mais tarde apoiada por nomes como Agostinho, Calvino, Lutero e Tomás de Aquino. Essa visão afirma que os Filhos de Deus seriam os descendentes justos de Sete, enquanto as “filhas dos homens” seriam descendentes da linhagem ímpia de Caim. O problema estaria na união desses dois grupos, o que teria corrompido a linhagem pura que levaria até o próprio Salvador.

No entanto, essa interpretação apresenta sérias dificuldades.

Em nenhum outro lugar da Bíblia a expressão "Filhos de Deus" se refere a seres humanos, muito menos a descendentes de Sete. No Antigo Testamento, essa expressão é sempre usada para descrever seres celestiais. Já no Novo Testamento, Adão é chamado de Filho de Deus (Lucas 3:38), mas apenas por ter sido diretamente criado por Deus — assim como os anjos. Eva, por outro lado, foi criada a partir de Adão, e todos os humanos posteriores são seus descendentes — portanto, filhos de Adão, não diretamente de Deus. Sete, inclusive, é chamado apenas de "filho de Adão", nunca de "filho de Deus".

Além disso, Gênesis 6:1 define claramente quem são as “filhas dos homens”: “quando os homens começaram a multiplicar-se sobre a face da terra, e lhes nasceram filhas...”. A palavra usada para “homem” é ha Adam — ou seja, trata-se de todas as filhas da humanidade, não apenas da linhagem de Caim. A distinção proposta pela visão setita, portanto, não se sustenta linguística ou contextualmente.

Outro ponto crítico: se a união entre os Filhos de Deus e as filhas dos homens fosse meramente entre humanos, como isso poderia gerar uma linhagem de gigantes? Os Nefilins não são descritos como aberrações genéticas isoladas, mas como uma raça persistente, que posteriormente ressurge entre os cananeus e habita a Terra Prometida em clãs — como mencionado em Números 13:32.

E quanto à justiça da linhagem de Sete? Se ela foi corrompida por casamentos mistos com as filhas de Caim, então até Noé — descendente de Sete — estaria contaminado. No entanto, Gênesis 6:9 afirma que Noé era “irrepreensível em sua geração”. A palavra hebraica tamim aqui empregada é a mesma usada para descrever animais imaculados, aptos para o sacrifício — o que sugere não apenas integridade moral, mas pureza física. Isso implica que Noé não havia sido contaminado pela união dos Filhos de Deus com os humanos.

Tudo isso reforça a antiga leitura sobrenatural: os Filhos de Deus eram anjos caídos, os Nefilins eram seus descendentes gigantes, e essa narrativa é parte de uma guerra cósmica contra o plano de Deus — uma guerra que transbordou do céu para a Terra.

A Visão da Realeza Divina

Essa interpretação sustenta que os "Filhos de Deus" mencionados em Gênesis 6 seriam reis ou magistrados humanos que alegavam divindade ou atuavam como representantes de Deus sobre o povo. Meredith Kline, uma das principais defensoras dessa abordagem, destaca que era comum, no mundo antigo, reis pagãos se declararem descendentes de deuses. Nesse sentido, Caim, apresentado como o primeiro construtor de cidades (Gn 4:17), é associado à origem de dinastias urbanas e tirânicas — um legado corrompido.

Mas qual seria, então, o pecado desses reis ao se unirem com as "filhas dos homens"? Se o texto estivesse apenas relatando o casamento entre uma elite governante e mulheres de origem plebeia, seria incoerente que seus filhos recebessem uma designação tão impressionante como Nephilim — uma palavra carregada de poder e temor. Não faria sentido glorificar filhos bastardos de uma realeza “poluída”. Alguns estudiosos sugerem que o problema estaria na poligamia desses governantes — os "Filhos de Deus" — que tomaram para si "todas as mulheres que desejaram". Assim, os Nephilim Gibborim (v.4), nascidos dessas uniões, seriam os tiranos poderosos que dominavam pela força, como Lameque, que via no poder uma extensão de seu próprio direito.

No entanto, essa visão enfrenta sérias dificuldades. Primeiro, embora seja verdade que reis antigos frequentemente reivindicavam uma origem divina, em nenhum lugar da Bíblia o termo "Filhos de Deus" é usado para descrever governantes humanos. Mais ainda: o autor de Gênesis parece preocupado em explicar a origem dos Nephilim devido à sua relevância histórica e impacto devastador. Mas seria razoável supor que o pecado que levou Deus a destruir toda a humanidade fosse apenas a prática da poligamia?

Embora o Antigo Testamento nunca a trate como ideal, a poligamia não é descrita como uma abominação equivalente à idolatria, adultério ou imoralidade sexual. Homens como Davi e Salomão foram polígamos, e ainda assim foram usados por Deus. O ponto, portanto, não é a quantidade de esposas, mas a natureza da união. Em Gênesis 6, a questão central parece ser uma transgressão ontológica: a mistura proibida entre o celestial e o terreno. Os "Filhos de Deus", seres sobrenaturais, tomam esposas humanas, e dessa união nascem os Nephilim — seres híbridos, cuja própria existência representa corrupção.

O contraste entre os "Filhos de Deus" e as "filhas dos homens" só faz sentido se estiver destacando a diferença entre divindade e humanidade, não entre classes sociais. Além disso, a presença posterior dos Nephilim (ou gigantes) em Canaã — como os anaquins enfrentados pelos israelitas em Números 13:32–33 — reforça a ideia de uma linhagem sobrenatural persistente. Se fossem apenas humanos poderosos ou reis tirânicos, não haveria razão para Moisés ligar sua origem aos eventos de Gênesis 6.

Essa leitura abre espaço para uma estrutura celestial mais complexa: uma hierarquia de seres espirituais que compõem o que estudiosos chamam de conselho divino — uma espécie de assembleia espiritual que aconselha e executa os decretos de Deus tanto no céu quanto na terra.

Antes de explorarmos os textos que tratam desse conselho, é importante entender a terminologia usada nas Escrituras. A palavra "Deus" pode ser confusa no português. O termo hebraico mais comum traduzido como “Deus” é Elohim, mas esse termo não é exclusivo de Yahweh. Na verdade, Elohim também pode se referir a anjos (Sl 8:5; Hb 2:7), deuses pagãos (Sl 138:1), membros do conselho divino (Sl 82:6), ou até mesmo espíritos de mortos (1Sm 28:13). Por isso, estudiosos como Michael S. Heiser afirmam que Elohim não designa uma “espécie” divina, mas sim um tipo de ser que habita o plano espiritual. Assim, Yahweh é um Elohim, mas nenhum outro Elohim é Yahweh. Ele é o Elohim supremo — o "Deus dos deuses" (Dt 10:17).

Alguns tentam argumentar contra essa pluralidade espiritual com base em Deuteronômio 32:39, onde Deus diz: “Vejam agora que eu sou o único, eu mesmo. Não há Deus (Elohim) além de mim.” Contudo, essa expressão — "Eu sou, e não há outro além de mim" — é uma fórmula idiomática hebraica usada para expressar incomparabilidade de soberania, e não exclusividade de existência. Ou seja, é uma afirmação de supremacia, não de monopólio existencial.

Essa mesma fórmula aparece em contextos pagãos: a Babilônia, em Isaías 47:8, se gaba dizendo: “Eu sou, e não há ninguém além de mim.” Nínive faz o mesmo em Sofonias 2:15. Obviamente, essas nações não negavam a existência de outros reinos — apenas afirmavam sua posição de domínio absoluto. Da mesma forma, Yahweh não nega a existência de outros seres espirituais — Ele apenas afirma que nenhum deles se compara a Ele em poder, glória e autoridade.

Os deuses das nações como demônios: uma realidade espiritual no Antigo Testamento

No início de Deuteronômio 32, vemos Yahweh repreendendo Israel por ter se desviado d’Ele após receber a Terra Prometida:
“Eles sacrificaram a demônios e não a Deus, a deuses que não conheceram, deuses novos que surgiram recentemente, a quem seus pais não temeram” (Dt 32:17).

Esse versículo é crucial, pois revela que os ídolos ou deuses das outras nações — aos quais Israel oferecia culto — são entidades espirituais reais, chamadas aqui de "demônios". Ao mesmo tempo, são denominados “deuses” e também “não Deus”, o que indica que possuem existência real como entidades espirituais inferiores, mas não são o Deus supremo, o Criador, Yahweh. Possuem alguma forma de autoridade ou natureza espiritual, mas não compartilham da essência divina do Altíssimo.

A Septuaginta (LXX), versão grega do Antigo Testamento, reforça essa compreensão em um trecho do Salmo 95 (96 na numeração hebraica):
“Porque grande é o Senhor e muito digno de louvor; mais temível é Ele do que todos os deuses. Pois todos os deuses das nações são demônios, mas o Senhor fez os céus” (Sl 95:4-5, LXX).
A declaração aqui é clara: os "deuses" territoriais das nações — figuras espirituais associadas a povos ou tribos — são na verdade demônios, que usurpam um papel de autoridade divina. Tais seres participam de uma natureza espiritual, mas o fazem para se opor à soberania de Yahweh.

O livro apócrifo de 1 Enoque também compartilha dessa visão. Ele afirma que os anjos caídos de Gênesis 6 — os que se uniram a mulheres humanas — corromperam a humanidade e levaram as pessoas a cultuar demônios como se fossem deuses:
“Eles contaminaram a humanidade e os levaram ao erro, para que oferecessem sacrifícios aos demônios como a deuses.”

O Novo Testamento mantém essa perspectiva. O apóstolo Paulo declara:
“O que os pagãos sacrificam, sacrificam aos demônios e não a Deus” (1Co 10:20).
Essa afirmação não é simbólica, mas literal: há entidades demoníacas por trás do culto pagão. Os ídolos são representações físicas de realidades espirituais malignas.

A Enciclopédia Judaica acrescenta que, em muitas culturas antigas, o céu, o sol, a lua e os planetas eram concebidos como deuses pessoais, responsáveis por aspectos da vida cotidiana. A esses deuses dirigiam-se orações e faziam-se oferendas. Em Deuteronômio 32:8, há uma declaração intrigante:
“Quando o Altíssimo repartiu as nações, quando separou os filhos dos homens, estabeleceu os limites dos povos segundo o número dos filhos de Deus [ou ‘anjos de Deus’, conforme algumas traduções]; mas a porção do Senhor é o seu povo, Jacó, a herança que lhe coube.”
Essa passagem sugere que Yahweh, ao dividir as nações, delegou a elas outras autoridades espirituais — os elohim — enquanto reservou Israel para si. O comentarista judeu Jeffrey Tigay observa que isso parece refletir uma antiga visão teológica segundo a qual, após a humanidade rejeitar Deus repetidas vezes (Gn 3–11), Yahweh entregou os povos às suas próprias inclinações, permitindo que fossem governados por seres celestiais subordinados, como punição por sua rebelião.

Essa visão é corroborada por outros trechos das Escrituras. Em Daniel 10:13-14, por exemplo, vemos o “príncipe do reino da Pérsia” resistindo a um anjo enviado a Daniel, sendo necessário o auxílio do arcanjo Miguel. A linguagem sugere que essa “autoridade” persa é, na verdade, um ser espiritual que atua sobre o império, um representante demoníaco que se opõe aos propósitos divinos.

Apesar de toda essa evidência bíblica, muitos leitores modernos preferem reinterpretar essas passagens, moldando a Bíblia a suas ideias teológicas pré-estabelecidas em vez de permitir que o texto fale por si mesmo. Um exemplo disso é o Salmo 82, frequentemente tratado como mera poesia simbólica. Contudo, uma leitura atenta indica algo mais literal:

“Deus preside na assembleia divina; no meio dos deuses, Ele julga:
‘Até quando vocês julgarão injustamente, favorecendo os ímpios?
Façam justiça ao fraco e ao órfão, defendam o direito do aflito e do necessitado.
Livrem o oprimido e o pobre; livrem-no das mãos dos ímpios.
Eles nada sabem, nem entendem; andam em trevas;
todos os fundamentos da terra estão abalados.
Eu disse: Vocês são deuses, todos vocês são filhos do Altíssimo.
Contudo, morrerão como simples homens, cairão como qualquer governante.’
Levanta-te, ó Deus, e julga a terra, pois todas as nações pertencem a ti.”
(Sl 82:1-8)

Neste salmo, Yahweh julga uma assembleia celestial composta por “deuses” — evidentemente seres espirituais com autoridade, referidos como “filhos do Altíssimo”. Esses seres são responsabilizados por má administração, injustiça e corrupção, e sua punição é a morte como homens comuns. O salmo termina com o clamor de que Yahweh intervenha e assuma o governo de todas as nações, uma alusão clara à limitação e corrupção desses seres espirituais delegados.

Portanto, o quadro geral das Escrituras, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, aponta para a existência de entidades espirituais reais, designadas como “deuses” ou “filhos de Deus”, que exerciam domínio sobre as nações pagãs. Esses seres, longe de serem benignos, são os mesmos identificados como demônios — usurpadores do culto que pertence somente a Yahweh. O que vemos, então, não é uma disputa simbólica entre ideias religiosas, mas uma realidade espiritual concreta: um conflito entre o Reino de Deus e poderes espirituais caídos que governam este mundo.

Embora os “filhos de Deus” mencionados no Salmo 82 e em outras passagens do Antigo Testamento tenham sido tradicionalmente compreendidos como seres sobrenaturais, angelicais ou divinos ao longo da maior parte da história judaica e cristã, é verdade que uma corrente menor de intérpretes — composta por estudiosos e teólogos — passou a interpretar esses seres como figuras humanas, tais como reis ou juízes tirânicos. Segundo essa linha de pensamento, o cenário descrito no Salmo seria um tribunal simbólico, em que os “filhos de Deus” exercem uma função judicial; a linguagem seria então poética, mas forense — ou seja, centrada em julgamentos e responsabilidades civis.

Apesar dessa tentativa de reinterpretação antropológica, há passagens paralelas na própria Escritura que apontam para uma realidade mais ampla, espiritual e celeste. Um exemplo é o Salmo 89:5-8, que descreve uma assembleia nos céus, onde Deus é reverenciado por seres celestiais:
“Ó SENHOR, os céus cantam as maravilhas que fazes, e, reunidos, os anjos cantam a tua fidelidade. Não há no céu ninguém como tu, ó SENHOR! Entre os seres celestiais não há nenhum igual a ti. Tu és respeitado na assembleia deles, és temido por todos os que estão ao teu redor. Ó SENHOR, Deus Todo-Poderoso, não há ninguém que tenha tanto poder como tu! Em todas as coisas, tu és fiel, ó SENHOR!”
A linguagem aqui sugere uma corte celeste ou concílio espiritual, onde seres angelicais — distintos de Deus, mas subordinados a Ele — prestam honra e serviço diante do trono divino.

Outro texto intrigante é a visão do profeta Micaías, em 1 Reis 22:19-22, que narra uma cena espiritual ainda mais vívida:
“Vi o Senhor assentado em seu trono, com todo o exército dos céus ao seu redor, à sua direita e à sua esquerda. [...] Até que um espírito apresentou-se diante do Senhor e disse: ‘Eu o enganarei’. E o Senhor respondeu: ‘Você conseguirá; vá e faça assim’.”

O texto aqui parece reforçar a teoria de que existe uma organização de anjos ao redor de Deus, mas também mostra que, quando uma pessoa endurece o coração e se afasta do Senhor, Deus permite que as proteções espirituais caiam, deixando essa pessoa à mercê de espíritos enganosos e maus, respeitando a própria escolha do ímpio.

Entretanto, mesmo no caso de pessoas que se negaram um relacionamento com o Senhor — e mesmo para que esses espíritos possam agir — isso só ocorre dentro de determinados limites previamente permitidos por Deus, ou seja, eles precisam pedir permissão e medida a Deus.

Outro texto que reforça essa teoria está no livro de Jó, quando o acusador se apresenta para solicitar a provação de Jó.

Zacarias 3:1 também pode oferecer uma ideia de como isso funciona:
"E ele mostrou-me o sumo sacerdote Josué, o qual estava diante do anjo do Senhor, e Satanás estava à sua mão direita, para se lhe opor."

Isso pode significar que a presença de espíritos negativos e governantes pagãos diante do Altíssimo serve como uma espécie de acusadores ou promotores. Deus permite sua presença e função ali apenas como ferramenta de um julgamento justo, em outras palavras, para que o julgamento e a imagem de Deus como justo sejam evidentes para toda as criaturas e para toda a existência — ou seja, esses seres atuam como os acusadores contra a humanidade. 

São aqueles que tentarão, que corromperão, que colocarão a humanidade à prova, como parte de um mecanismo da verdadeira liberdade, como uma evidência de que a liberdade humana é realmente garantida, que o livre arbítrio humano é de fato real. Isso demonstra que Deus não é injusto com nenhum ser, nem mesmo com os caídos, (já que todos tem o mesmo julgamento) e que Ele não é um tirano que impede a existência de uma oposição (embora essa oposição colha os frutos de sua escolha).

Outro texto que parece reforçar a ideia da existência de seres espirituais com autoridade sobre povos ou nações encontra-se em 1 Coríntios 8:4-6:
“Quanto à ingestão de alimentos oferecidos a ídolos, sabemos que ‘um ídolo não tem existência real’, e que ‘não há Deus senão um só’. Pois, ainda que existam os chamados ‘deuses’, quer no céu, quer na terra — como de fato há muitos ‘deuses’ e muitos ‘senhores’ —, para nós, contudo, há um só Deus, o Pai, de quem vêm todas as coisas e para quem vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, por meio de quem tudo existe e por meio de quem também vivemos.”
Paulo reconhece, aqui, a crença difundida na existência de muitos “deuses” e “senhores”, figuras espirituais que parecem exercer alguma influência tanto nos céus quanto na terra. Embora reafirme a unicidade de Deus e a centralidade de Cristo, ele não nega diretamente a existência desses outros seres, o que abre margem para entendê-los como entidades espirituais reais, embora subordinadas e inferiores ao Deus verdadeiro.

Além disso, há um argumento cultural e histórico significativo que reforça a interpretação dos “filhos de Deus” como seres espirituais e não como juízes humanos. Trata-se do fato de que a imagem de um conselho divino — uma assembleia celestial de seres espirituais — aparece repetidamente nas mitologias e religiões do antigo Oriente Próximo, contexto no qual Israel estava inserido. Esse pano de fundo cultural, embora não determine sozinho o significado bíblico, oferece uma chave importante de interpretação, especialmente considerando que Israel compartilhava com seus vizinhos elementos de linguagem, simbologia e visão de mundo.

Thorkild Jacobsen, uma das maiores autoridades em religião mesopotâmica, apontou que a cosmovisão suméria — que moldava o mundo ao redor de Abraão antes de seu chamado por Yahweh — incluía a noção de um conselho de deuses. Esse conselho funcionava como uma espécie de tribunal cósmico, governando os assuntos humanos e investindo autoridade real tanto a deuses quanto a homens.

Patrick D. Miller, renomado estudioso do Antigo Testamento, resume bem essa concepção ao dizer:
“A concepção mitopoética da assembleia celestial, o conselho divino, é a maneira da Bíblia de apontar para uma ordenação e governo transcendentes do universo, do qual todos os governos e instituições humanas são um reflexo; mas mais do que isso, trata-se da estrutura pela qual o governo justo de Deus se manifesta de maneira eficaz e poderosa no universo.”
Em outras palavras, o conceito bíblico de uma assembleia celestial reflete não apenas uma adaptação cultural, mas uma reafirmação teológica: Deus reina soberanamente sobre todas as coisas, e sua corte celestial — composta por seres espirituais com funções definidas — é o instrumento por meio do qual sua justiça e autoridade se manifestam na história e nas nações.


***Lembramos que este é um resumo de um livro, e as afirmações apresentadas são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a visão teológica do blog Suma Teológica.

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