Fé na Era do Ceticismo - Capítulo 11 - Religião, Orgulho e a Necessidade da Graça
Religião é um termo que representa tudo aquilo que é central e absoluto na nossa busca por sentido neste mundo.
"Mas por que outra religião não serviria, ao invés do cristianismo? Quem sabe até mesmo a minha fé pessoal?" Acontece que há uma diferença crucial entre todas as religiões e o cristianismo: somente Jesus afirmou ser o próprio caminho da salvação.
No livro O Médico e o Monstro, o Dr. Jekyll acreditava que, ao criar uma poção capaz de separar sua natureza boa da má, poderia libertar seu lado bom da influência maligna nos momentos mais importantes de sua vida. O que ele não imaginava era que sua parte má se revelaria tão egoísta e implacável. O autor, Robert Louis Stevenson, nos mostra que, mesmo as pessoas boas, carregam dentro de si uma capacidade horrível para o mal — um narcisismo e egoísmo gigantescos. O autoengrandecimento, esse desejo de nos acharmos superiores (ou de desejar ser), é o que leva poderosos e ricos a se tornarem indiferentes à dor do próximo.
Quando Dr. Jekyll percebe essa capacidade terrível em seu interior, ele adota uma "religião": decide não mais beber da poção e se dedica à caridade como forma de suprimir e reparar o mal que havia cometido como Edward Hyde. No entanto, um dia, enquanto Edward Hyde estava sentado em um banco de praça, orgulhoso, pensando em como era melhor que a maioria das pessoas ao seu redor, o livro narra: "Mas enquanto eu sorria, comparando-me aos outros homens, no exato instante daquele pensamento de vanglória, assaltou-me uma náusea horrível. Baixei os olhos e, mais uma vez, eu era Edward Hyde." Pela primeira vez, ele havia se transformado no monstro sem ter tomado a poção.
Assim como muitos de nós, Dr. Jekyll sabia que era pecador, mas tentava desesperadamente encobrir seu pecado por meio de boas obras. No entanto, suas tentativas não diminuíam seu orgulho e egocentrismo — apenas os agravavam. Essas tentativas o conduziam a sentimentos de superioridade, justiça própria e narcisismo. Ele se transformou em um monstro por causa da sua bondade.
É possível rejeitar o evangelho de Jesus tanto desobedecendo quanto obedecendo suas regras. A autossalvação por meio de obras pode até produzir muitos comportamentos morais, mas por dentro o coração estará cheio de arrogância, crueldade e preconceito. No fim, quem vive assim acaba sofrendo, pois se compara constantemente a outros e nunca se sente bom o suficiente. Esse tipo de vida está intimamente relacionado aos surtos de ansiedade, insegurança e inveja que vemos hoje em nossa sociedade, já que muitas pessoas constroem seu senso de valor com base no próprio desempenho moral e espiritual, como se tivessem um currículo a ser apresentado a Deus e ao mundo.
Esse padrão também leva muitos a se tornarem defensivos e a odiarem pessoas de estilos culturais ou escolhas de vida diferentes. No fundo, essas pessoas buscam apenas segurança no próprio padrão de moralidade. Se alguém não segue a mesma métrica que elas lutam para manter, acabam repudiando tal pessoa. Os fariseus valorizavam tanto sua própria justiça que perseguiam todos aqueles que não buscavam ou não seguiam o mesmo padrão, como se os outros desvalorizassem tudo aquilo que eles mais se orgulhavam em ser.
A religião funciona assim: "Obedeço, por isso sou aceito por Deus." Mas o evangelho ensina: "Sou aceito por Deus, e por isso obedeço."
Ambos os tipos de pessoas podem frequentar a mesma igreja, orar juntas e ter vidas decentes e aparentemente felizes, mas suas motivações são radicalmente diferentes. Enquanto o primeiro grupo obedece por medo da rejeição, o segundo se apressa em obedecer por amor, pelo desejo de agradar e se parecer com aquele que deu a vida por nós.
Cristãos nos primeiros passos da fé costumam oscilar entre dois polos: quando conseguem satisfazer seus próprios padrões morais, sentem-se confiantes, mas não humildes; quando fracassam, sentem-se derrotados. Apenas o verdadeiro evangelho permite uma postura equilibrada. Em Cristo, somos aceitos pela graça, apesar das nossas falhas, justamente porque estamos dispostos a admiti-las. O evangelho diz que sou tão falho que Jesus precisou morrer por mim, mas também revela o quanto sou amado e valorizado, pois Ele voluntariamente assim o fez. Isso destrói tanto a presunção quanto o vitimismo. Não me sinto superior a ninguém, nem inferior — simplesmente começo a pensar menos em mim mesmo.
Pensadores pós-modernos dizem que o "eu" é construído pela exclusão do outro: definimos quem somos apontando para aquilo que não somos, inflamos nosso senso de valor desprezando os demais. O cristão, no entanto, entende que é absolutamente amado e aceito por Deus, e por isso não pode desprezar quem não crê como ele crê. Afinal, não somos salvos por nossas doutrinas ou práticas. Também não precisamos temer o sucesso ou talento dos outros, pois somos queridos pelo Senhor do universo. Mesmo na humildade, nossa condição é dada por Deus como missão. Nossa identidade cristã não está na nossa própria justiça, mas naquilo que Deus, em sua eterna sabedoria, diz sobre nós.
Uma pessoa religiosa se revolta com o mundo quando as coisas não dão certo: "Se eu faço tanto o bem, por que colho coisas ruins?" Mas Cristo, o homem mais perfeito que já viveu, foi perseguido e crucificado. Aprendemos, então, a buscar o bem não porque esperamos recompensas, mas porque desejamos ter o caráter de Deus. Se fôssemos salvos por obras, haveria limites para o que Deus poderia exigir de nós — seria como um contribuinte que pagou seus impostos e, por isso, teria direitos garantidos. Mas como fomos salvos pela graça, não há limites para o amor de Deus.
Alguns podem dizer: "Ótimo, então basta ter um relacionamento íntimo com Deus e depois viver como eu quiser." Mas só pode falar isso quem nunca teve um relacionamento verdadeiro com Ele.
Se alguém diz "Eu te amo, quer se casar comigo?" e o outro responde "Sim", seria absurdo que logo em seguida dissesse: "Ótimo, agora posso viver como quiser." Quando amamos de verdade, desejamos agradar a pessoa amada sem precisar que ela nos peça. Não há intimidação, nem obrigação. O comportamento muda porque o coração foi transformado.
No livro Os Miseráveis, após Valjean roubar os talheres do bispo, este o perdoa e, num ato de graça radical, ainda lhe presenteia com os talheres, encobrindo o erro. Essa bondade divina confronta o orgulho de Valjean, que antes achava que estava certo num sistema de ódio e vingança. Ele percebe que, se resistisse ao perdão, ele seria o injusto, e entende que não poderia mais pagar o mal com o mal. Ele abre mão da autopiedade e da amargura e passa a viver uma vida de bondade estendida aos outros, independente de como eles o tratam.
Apenas a graça pode nos libertar da escravidão do "eu" e da nossa autojustiça. Os fundadores de todas as outras religiões diziam: "Faça isso e você encontrará o divino." Jesus, porém, não veio essencialmente como mestre — embora também tenha ensinado —, Ele veio como Salvador. Ele disse: "Eu sou o divino que veio até você para fazer o que você não era capaz de fazer sozinho."
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