Fé na Era do Ceticismo - Capítulo 14 - A Dança do Amor Eterno

 


Fé na Era do Ceticismo - Capítulo 14 - A Dança do Amor Eterno


Somente o cristianismo fala sobre Trindade. A Bíblia diz que, por toda a eternidade, existia glória entre as pessoas da Trindade. Mas o que é glória? Quando algo é útil, você admira pelo que aquilo faz. Mas quando algo é belo, você rende glória pelo que aquilo é. Estar na presença da beleza já é, por si só, uma recompensa. Quando você admira algo profundamente, você sacrifica seus próprios interesses por aquilo, porque sua felicidade suprema passa a ser o bem daquela coisa ou pessoa. A Trindade, então, é como uma dança: cada pessoa da Trindade orbita em torno da felicidade do outro, e é justamente nisso que encontra sua própria felicidade. Nenhuma das pessoas divinas se concentra em si, mas está voltada completamente para o outro. Isso tem implicações profundas, já que, desde os tempos da filosofia grega e romana, se discute o que é mais importante: o indivíduo ou o grupo? Essa é a pergunta que gera a tensão entre o absoluto e o relativo, entre o individualismo e o coletivismo.

Um dos mentores de Cingapura, certa vez, ao ser questionado sobre o uso de chibatadas, respondeu em entrevista: “Para nós, na Ásia, o indivíduo é uma formiga. Para vocês, no Ocidente, ele é um filho de Deus.” É um conceito curioso. Se Deus fosse uma única pessoa desde o princípio, não existiria amor, pois amor é, por definição, uma expressão voltada ao outro. Religiões orientais, por exemplo, ensinam que personalidades individuais são ilusões, que todos somos um só. Se isso for verdade, o amor também é uma ilusão, já que não existe o outro. Mas o cristianismo é diferente: ele afirma que, desde sempre, há em Deus um relacionamento real, profundo e mútuo entre três pessoas distintas. Quando Jesus diz que precisamos perder nossa vida para encontrá-la, Ele está simplesmente nos ensinando o que a Trindade tem feito por toda a eternidade. Você jamais encontrará sua identidade verdadeira se viver tentando fazer os outros girarem ao seu redor e te satisfazerem. Quem é você, afinal, se não orbita em torno de nada além de si?

Deus é infinitamente feliz porque, em si mesmo, vive uma comunidade de amor pleno, onde é amado perfeitamente e ama da mesma forma. Imagine encontrar alguém que você ama tanto que decide sacrificar tudo por ela. De repente, essa pessoa te revela que sente o mesmo, e vocês vivem uma vida inteira de amor mútuo, amizade verdadeira e entrega. Agora pense nisso em escala infinita: isso é o que Deus vivencia em Sua própria natureza. Mas então, por que Deus nos ordena adorá-Lo? Porque Ele deseja nossa felicidade plena, e sabe que ela só pode ser encontrada quando deixamos de ser autocentrados e passamos a amar Aquele que pode nos amar infinitamente. Se fomos criados à Sua imagem e semelhança, e se Ele é feliz dessa forma, então só seremos felizes vivendo como Ele vive. A razão pela qual Deus criou todas as coisas não foi por carência, mas para expandir essa perfeita comunhão de amor. A finalidade da criação é justamente isso: unidade no amor entre as criaturas e Deus.

Não fomos criados para uma espiritualidade vazia, onde apenas "cremos" em Deus de longe. Fomos feitos para centrar a vida nEle. A beleza da Trindade está espalhada na criação: as estações servem umas às outras, os acordes de uma música se completam, o sacrifício de uma mãe pelo filho se torna a mais nobre forma de realização humana. Tudo aponta para essa dança divina. E se obedecemos a Deus apenas quando isso nos parece conveniente, estamos praticando um amor que gira em torno de nós mesmos. O egocentrismo nos fragmenta. Ele nos impede de doar, de amar, de viver relacionamentos saudáveis. Afinal, se não conseguimos nos doar a Deus — que é perfeito e que sempre nos retribui — como conseguiremos nos doar a pessoas imperfeitas? Sem esse movimento de entrega, ficaremos presos em ciclos de guerras entre raças, classes, famílias, porque estaremos sempre pensando em nós e esperando que os outros dancem por nós.

A dança da harmonia e a harmonia dessa dança se tornam impossíveis em um mundo onde todos estão estáticos no salão, esperando que alguém se mova por eles. Jesus sabia que morreria se obedecesse ao Pai, mas ainda assim obedeceu, porque amar o Pai era seu objetivo maior. Nada que impedisse esse amor poderia ser considerado bom. E o que Jesus ganhou com isso? Nada, humanamente falando. Ele se concentrou em nós — como sempre fez, desde a eternidade na Trindade — sem nenhum benefício próprio. E esse é o convite feito a nós: viver da mesma forma. Se aceitarmos, nossos relacionamentos serão curados, nossa alma será restaurada, e a imagem de Deus em nós começará a ser refeita. Somente quando deixarmos nosso orgulho autocentrado, poderemos nos mover em direção ao outro, como Cristo se moveu em nossa direção.

Tudo o que está fora desse sistema de entrega mútua é, no fim das contas, o inferno — a prisão do eu eternamente voltado para si. O evangelho fala de um mundo onde cada pessoa tem valor eterno, onde o grupo não existe para oprimir, mas para amar primeiro, onde o indivíduo aprende a viver não pelos próprios interesses, mas sempre pelo próximo.

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