O Esvaziamento das palavras
Atualmente, sempre que um indivíduo ou grupo expressa determinada opinião, rapidamente surge alguém dizendo: “Que papinho fascista, hein?”, “Isso é o que os opressores dizem”, “Essa expressão é de estuprador” e por aí vai. É como se qualquer discurso, opinião ou preferência de determinados indivíduos negativos do passado manchasse ou inviabilizasse qualquer ideia pelo simples fato de eles a terem incorporado em algum momento de seus discursos ou vida. Cria-se, assim, uma falsa equivalência que impede o debate. É como se não pudéssemos defender, por exemplo, um namoro casto, somente porque isso era defendido por alguma seita opressora de determinada época, ou se não pudéssemos preferir privatizações de estatais, pois elas eram medidas adotadas em governos fascistas. No fundo, é como se o fato de um vilão utilizar um computador devesse nos impedir de usá-los atualmente, ou que isso taxasse quem os usa com os mesmos adjetivos merecidos de tal vilão. Esse mecanismo é perigoso, pois ataca a ideia não pelo seu mérito, mas pela associação, esvaziando o significado real dos termos e transformando-os em meros xingamentos vazios.
Nesse processo de banalização, a palavra "nazista" é um dos exemplos mais claros. Antigamente, ao ouvir tal termo, tínhamos uma repulsa de ódio, uma reação visceral diante do que ele representava historicamente. Hoje, quando alguém fala “nazista”, sentimos algo com um tom pejorativo, um xingamento como outros, afinal, "nazista" pode ser apenas alguém de direita que o interlocutor não gosta, pode ser alguém que defende privatização e meritocracia, um burguês mais elitista, e assim por diante. O cerne da questão é que usar palavras de forma errada prejudica seu contexto. É por isso que não podemos enxergar o português ou nenhum idioma como algo relativo à sua comunidade; como forma de linguagem, é necessário que se lapide e evolua ao ponto de demonstrar contexto. Quanto mais específicas as palavras, mais avançada está uma língua, pois ela demonstra a proximidade em alcançar a precisão na comunicação. Em outras palavras, a linguagem melhora quando entendemos melhor em que contexto uma palavra se encaixa, qual sentimento é buscado e evocado com determinada afirmação. Isso só pode ocorrer quando usamos as palavras certas no seu exato momento; isso é ter um português avançado: é se fazer entender com exatidão.
Da mesma forma, outras palavras com peso ancestral se esvaziaram. Não acho que seja a causa, mas é um efeito da perda de respeito pelos pais que a palavra Pai e Mãe perdeu seu significado. Mãe e Pai eram palavras quase sagradas, relacionadas àqueles que te geraram, que lhe imprimiram o mesmo DNA, que criaram desde o início, passaram sacrifícios, que ensinaram o básico, e cujo amor lhes deu a vida. Eram papéis abençoados e confiados, algo que surge de um processo natural e milagroso. Entretanto, hoje, devido à promiscuidade, onde pessoas usam suas capacidades e fertilidade sem a parte importante da responsabilidade, e onde pessoas se dizem "pais" e "mães" de cachorros ou coelhos, acabamos esvaziando o sentido destas palavras. Quando alguém diz "Mãe" ou "Pai", não sentimos mais o peso sagrado e de respeito, pois existem pais de pet, pais ausentes, pais que são piores do que inimigos, mães egoístas, etc. A vastidão de significados distorcidos dilui o sagrado.
A palavra Marido e Mulher seguiu o mesmo rumo. Elas não geram mais o peso que deveriam, não causam mais a reação que deveriam ao ver um casal de aliança no dedo. Um casal era alguém que se responsabilizava pelo outro para o resto da vida, que prometia e jurava cuidar, ou seja, que assumia a vida inteira do outro como sua. Por esse motivo, a sociedade enxergava ali um ser humano completo, um núcleo importante e alguém que poderia legalmente ter filhos, já que um se responsabilizou integralmente pelo outro, e por isso a sociedade concedia reconhecimento. Hoje, tais títulos se enfraqueceram. Quando pessoas dizem que são noivos, marido e mulher, isso não causa mais o respeito que deveria, o afastamento de pretendentes, a admiração pela nova família. Isso ocorre porque qualquer pessoa que namora, que mora junto, diz que é marido. Qualquer pessoa que jamais assumiu nenhuma responsabilidade pela outra, que continua traindo, que não assumiu compromisso jurídico algum, todos esses se dizem maridos e mulheres. E se o próprio casal utiliza um nome, mas não liga para nenhum compromisso, por que os outros que ouvem tal palavra deveriam ligar? Parabéns à justiça e aos pós-modernos que transformaram uma relação matrimonial, uma família, um núcleo que deveria receber uma visão separada de outras esferas sociais, em mais uma simples relação trabalhista, onde o divórcio é permitido por qualquer coisa, e onde os compromissos são meramente contratuais. Nesse cenário, não duvido que em breve vejamos maridos exigindo em contrato cumprimento da jornada de sua esposa, ou contratando mais “funcionárias” se for necessário, afinal, mulheres têm ganho na justiça o direito de receber indenizações pelo tempo que trabalharam em suas casas durante um casamento.
O último e mais mortal exemplo que tem perdido o sentido na comunicação é a palavra Deus. As pessoas utilizam o nome de Deus para tantas coisas e profanam esse nome (chamando mulheres erotizadas de deusas, objetos de deus, personagens de deus) que, aos poucos, nossos ouvidos perderam o temor e o respeito ao ouvir tal expressão. Nossa mente fica confusa e não tem a mesma reverência, algo que ocorria pois a expressão era altamente ligada a ambientes grandiosos, pessoas compromissadas, situações sagradas. Enquanto hoje, a reverência e a liturgia (e, por efeito, o respeito) têm se esvaziado porque a palavra tem sido associada a qualquer coisa. Esse, creio eu, é um dos principais motivos pelos quais o Tetragrama de Deus é algo escondido a sete chaves. Assim como não creio no poder intrínseco de símbolos isolados, não creio no poder intrínseco de uma palavra isolada, mas creio que as palavras têm poder no sentido de que elas direcionam nossos sentidos e, por fim, nosso ser. Ao usarmos um símbolo, ele direciona nossa mente à lembrança de certos valores. Da mesma forma, a maneira que lidamos com nomes influencia aquilo que comunicamos, influencia como reagimos, manipula nossos sentimentos de forma inconsciente. E aí reside a importância de darmos atenção e peso às palavras, para que elas continuem a ser uma ferramenta de precisão e não de confusão e vazio.
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1 Comentários
Muito bom. É interessante como o texto começa com uma ideia mais linguística e acaba virando um juízo moral. E é verdade que as palavras só têm força quando mantêm seu significado no contexto certo, porque é o uso delas que define isso. Acho que o principal motivo da banalização das palavras hoje é justamente a tentativa de manter o controle da narrativa, para poder censurar e constranger qualquer pessoa que pense diferente, sem mostrar nenhuma relação real entre o que ela realmente fez ou disse e a acusação.
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