Fé na Era do Ceticismo - Capítulo 9 - Sem Deus, o que é o certo?




 Capítulo 9 - Sem Deus, o que é o certo?


Muitos têm dito que a sociedade perdeu a noção de que existe certo e errado, mas isso não é verdade. Os jovens sabem que isso existe, e o problema é outro. Uma mulher, certa vez, foi convidada a falar sobre coisas que achava erradas. Ela citou a forma como as mulheres são tratadas, pois, segundo ela, elas também têm direitos. Keller questionou: "Como você sabe que elas têm direitos? E se eu lhe dissesse o contrário? Se somos apenas animais com cérebros maiores, por que nossos direitos seriam diferentes? Você julga um cachorro por maltratar outro? Se somos animais, por que esse duplo padrão de julgamento?"

As pessoas ainda continuam nutrindo uma crença inconsciente na dignidade humana, mesmo que isso seja contrário à sua crença total. Elas sabem que a crença em Deus é inevitável, mas reprimem esse conhecimento. A frase “ninguém deve impor sua visão moral aos outros” desaparece diante de perguntas incômodas. Você acha certo jogar água fervente em mulheres por serem mulheres? Será que sua negação não indica que você, de fato, acredita em um padrão moral abrangente? A moral não surge dos nossos desejos ou preferências, mas existe mesmo sem eles e fornece padrões com base nos quais nossos desejos podem ser julgados. Na prática, é inevitável usarmos alguns padrões morais para julgar e discernir comportamentos no mundo. Mesmo aqueles que riem da ideia de um padrão moral absoluto não agem como se o genocídio racial fosse apenas algo boçal e contraproducente, mas como algo totalmente errado.

A teoria evolucionista dos genes dirá que a discrepância ocorre porque aqueles que têm genes altruístas e cooperativos se desenvolveram e sobreviveram em maior número do que os egoístas. Seria nada mais do que uma seleção natural ocorrendo em nossa história, onde os egoístas aos poucos ficaram para trás. Entretanto, embora o espírito de cooperação possa ajudar tribos a sobreviverem, essa postura é perigosa para a sobrevivência em várias ocasiões. Saltar para salvar alguém se afogando, sacrificar dinheiro, trabalho e vida em prol do próximo — como tudo isso teria sido processo de seleção natural se pessoas assim teriam menos probabilidade de sobreviver e transmitir seus genes? Como mecânica de sobrevivência e adaptação, isso teria desaparecido da raça humana há muito tempo. Ao invés disso, está mais forte do que nunca.

Alguns irão dizer que esse comportamento altruísta leva o agente a receber uma troca de vários benefícios de terceiros, como na teoria dos jogos, mas isso não consegue explicar nossa motivação para praticar ações que não chegarão ao conhecimento de ninguém. Outro ponto é que existe um consenso de que a seleção natural funciona em indivíduos e não em populações ou pensamentos coletivos. Seus genes não deveriam evoluir conforme os outros estão pensando. Geralmente, citam os exemplos das formigas estéreis que mesmo assim continuam a labutar para um ambiente favorável às outras. Mas isso é explicado pelo fato de que o gene que atua nessas formigas é altruísta justamente porque, embora sejam estéreis, é o mesmo daquelas que não são.

Se tal pensamento de que nossas escolhas não são genuínas, mas que cremos somente por força da natureza, for verdadeiro, então não deveríamos crer naquilo que conhecemos da ciência como algo verdadeiro, mas apenas como algo imposto, uma ilusão.

Se todas as culturas são relativas, então a ideia de direitos humanos também é. Defender o relativismo é acabar com a base de que temos o direito e a autoridade de defender algo como válido ou correto. Se achamos que mulheres são oprimidas em outras partes do mundo e que deveríamos pôr fim a isso, devemos perguntar: por que temos que impor nossos valores ocidentais a elas? Por que nossos valores seriam melhores?

Existem tipos de compreensão para isso. A ideia de que os direitos humanos vêm de Deus. Se fomos criados à imagem e semelhança d’Ele, todo ser humano é sagrado. Outros apelam para a lei natural, que diz que, se a natureza e a natureza humana forem examinadas, elas apresentam alguns tipos de comportamento que se encaixam na forma como as coisas são — e estes estarão corretos. Entretanto, em muitas partes, a natureza se vale da violência e da predação, ou seja, da sobrevivência do mais forte. Não temos como defender a dignidade de todos dessa forma.

Outra forma proposta é de que os direitos são criados por nós. Alguns defendem que é do nosso interesse criar leis para a humanidade, pois assim, a longo prazo, todos na comunidade se sairão melhores. Mas, o que acontece se todos decidirem que não é do interesse respeitar os direitos humanos? Se eles não passam de criação de juízes e príncipes, não existe nada a que apelar quando estes são cassados e violados pela maioria. Quando dizemos que alguém tem o direito de opinar, estamos dizendo que esse direito lhe pertence, ainda que não atenda ao interesse geral. Se direitos são criados pelo interesse da maioria, como podemos fazer com que respeitem a dignidade das minorias? Direitos não podem ser criados, mas precisam ser descobertos — caso contrário, não valerão nada.

A ideia de que direitos têm valor pelos processos que os criaram é um problema evidente, pois pressupõe a existência de um consenso entre os agentes humanos — consenso que não existe e nunca existiu. Ou seja, como seres humanos, continuamos a achar natural o julgamento moral, como se nada tivesse acontecido. Por quê? O próprio Sartre entende esse dilema ao dizer: "Se Deus não existe, é preciso levar as consequências de sua ausência até o fim. Não é mais possível haver algum bem a priori, pois não existe uma consciência perfeita e atemporal para defini-la."

Se Deus não existe, nada pode ocupar Seu lugar como legislador absoluto. Sem Deus, não é possível dizer que algo é imoral — apenas se me agrada ou não. Se, em um grupo de 20 amigos, 12 decidirem que devem matar um deles, isso se tornaria correto apenas por votação? Sem Deus, todas as avaliações morais são subjetivas. Matar os pobres de fome, comprar um negro como escravo — tudo isso é mal. O mal existe neste mundo, mas... quem foi que disse?

Sem Deus, não conseguimos justificar o dever moral, mas, ainda assim, não conseguimos ignorar que esse dever existe. Ou seja, podemos negar a Deus, mas não podemos viver como se Ele não existisse.

Annie Dillard morou um ano perto de uma floresta. Ela viu que a natureza é regida pelo princípio da violência dos fortes contra os fracos. Qual o problema aí? Muitos dirão: “Ok, na natureza não existe certo ou errado, esses são conceitos humanos.” Exatamente. Somos criaturas morais em um mundo amoral. Afinal, se a violência é algo natural, por que considerar errados os seres humanos fortes que passam por cima dos fracos? Não podemos afirmar que a natureza é de alguma forma imperfeita, a menos que exista algum padrão sobrenatural (acima da natureza) de normalidade além dela mesma (de onde viemos), pelo qual sejamos capazes de julgar.

Se o mundo foi criado por um Deus de amor, paz e justiça, então é por isso que sabemos que a violência, a opressão e o ódio são errados. Se o mundo está afastado desse Deus, isso explica a desordem que vemos.

Se você defende os direitos humanos, faz muito mais sentido admitir a existência de um Deus — um padrão fora da natureza. Agora, se você continua a contrariar Sua existência, espero que entenda a profunda desarmonia entre o seu intelecto e o mundo real. Todos vivemos como se fosse melhor buscar a paz em vez da guerra, falar a verdade em vez de mentir, cuidar em vez de destruir... Acreditamos que nossas escolhas e aquilo que provamos para nós mesmos não são sem sentido. Ou seja, acreditamos que a forma como escolhemos viver importa. No entanto, se Deus não existe, tudo isso é inútil e nulo. Nada do que você faz te torna diferente daquele que faz o mal todo dia. No fim, não sobrará nada de nossa civilização para julgar se isso foi bom ou não.

Sendo assim, podemos viver sem pensar nessas implicações de nossa filosofia — o que seria algo cínico, um autoengano, querendo um omelete sem quebrar ovos. Iremos querer o bônus do valor e da moral de Deus, mas excluindo o ônus de reagir a Ele.

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