A Chave para a Verdade: Por Que a Interpretação Bíblica Precisa de Autoridade
No meio de tantos debates sobre temas sensíveis, como o do aborto, noto uma fragilidade recorrente, especialmente entre nós, protestantes. Enquanto a Igreja Católica, por exemplo, tem a vantagem de rapidamente apelar para a autoridade e o dogma do seu colegiado, que é a última palavra para os seus fiéis, nós, reformados, nos vemos em situações onde a nossa firme afirmação de que "a Bíblia diz isso" é frequentemente rebatida por crentes dizendo: "mas eu não concordo com essa leitura" ou "eu interpreto de outro jeito".
Essa é a grande questão que precisamos enfrentar.
Devemos compreender de uma vez por todas que a Bíblia não é um livro destinado à nossa livre interpretação. Existe uma verdade, uma mensagem objetiva que Deus propôs transmitir. A forma mais segura e confiável de acessar essa verdade não é o nosso achismo pessoal. A melhor forma é entender que um colegiado de intelectuais, teólogos, pastores, eruditos e cristãos sérios, que dedicaram suas vidas a estudar, interpretar e se comprometer com a aplicação bíblica, moldaram, ao longo dos séculos, um credo e um dogma bíblico principal. Essa é a forma mais sólida de interpretação.
Sim, claro, precisamos ter cautela, agindo como os Bereanos, que conferiam as Escrituras, e devemos buscar o senso crítico, pedindo o direcionamento de Deus para encontrar a verdade de Cristo, e não a dos homens. No entanto, é simplesmente absurdo subordinar a verdade objetiva que deve ser conhecida ao nosso mero gosto, opinião ou interpretação pessoal. Como é possível que a minha interpretação, sozinha, a de um leigo que mal tem tempo para o estudo profundo, possa ter mais peso do que milênios de cristianismo prático e teológico aprofundado? A grande maioria das pessoas faz a interpretação da mensagem bíblica não baseada no que está sendo dito no texto, mas sim no que elas sentem, e isso é um problema em todas as áreas do diálogo, não só na fé.
O Protestantismo e a Falácia da Autonomia Instintiva
Neste sentido, nós protestantes precisamos melhorar muito, buscando nos afastar dessa filosofia que nos torna dependentes da nossa autonomia instintiva.
Entendo que o erro histórico do Catolicismo, em minha opinião, foi acumular leituras erradas ao longo dos anos, incorporando doutrinas humanas, tradições particulares e influências sincréticas de culturas, estados e religiões externas à Bíblia, e então tratá-las como dogmas divinos. Não creio que devemos tratar qualquer liderança eclesiástica como doutrina máxima; somente a Bíblia deve ser nossa regra de fé e prática. Mas temos que ter o cuidado de garantir que a interpretação dela não seja subjetiva e dependente do momento ou do humor.
Caso contrário, caímos na falácia das anedotas, ou seja, histórias pessoais e experiências individuais não definem a realidade geral. Eu posso encontrar outro homem, nas suas exatas condições, que diga o oposto do que você diz. E agora? As duas histórias estarão certas e erradas ao mesmo tempo para definir a realidade, mesmo sendo opostas e mutuamente excludentes? Não. Apenas uma pode, de fato, definir a realidade geral do que está em questão.
É como aquele rapaz que afirma que, pela sua vivência, todo policial é corrupto. Se você pedir provas, ele terá apenas essa "vivência" pessoal como argumento. É por isso que artigos científicos seguem uma metodologia reproduzível, aferível e checada por pares. Assim, qualquer pessoa pode confirmar se o que está sendo dito é verdade ou não. Esse tipo de confirmação, de autoridade baseada em múltiplas testemunhas e evidências, não é exclusiva do método científico, mas é usada há milênios pela Igreja: Deus dava sinais para fortalecer o argumento de Moisés, os Bereanos consultavam as Escrituras para saber se Paulo falava a verdade, e uma acusação precisava de, no mínimo, duas testemunhas isentas.
A Autoridade da Interpretação, Não da Liderança
O problema do protestantismo moderno é essa livre interpretação. Um protesta contra o outro, resultando em um "delivery de doutrina" que supre apenas aquilo que as pessoas querem ouvir. Algumas pessoas, ao defenderem a heterodoxia, dizem: "Ah, mas isso são interpretações suas, tem cristãos que acreditam em casamento homossexual ou pensam diferente". Isso é um erro fundamental! Não se molda o cristianismo ou qualquer religião da forma que você escolhe. Ou você se adequa a um conjunto de crenças que o Autor propôs, ou você é apenas nominal. Você pode até discordar sobre temas e passagens bíblicas difíceis e nebulosas, mas sobre o objetivo central que está explicitamente claro, essa subjetividade é uma loucura.
Não importa "o que eu entendo" de cada passagem bíblica. Não é assim que Deus age.
Os textos bíblicos, com suas complexidades históricas, gramaticais e hermenêuticas, não podem ser plenamente acessados através da leitura individual de um pai de família, empresário, que gasta a maior parte do dia trabalhando e pagando contas. Você não está preparado, intelectualmente, gramaticalmente, hermeneuticamente, para abrir a Bíblia e retirar dela, sozinho, o seu significado mais profundo.
É por isso que sigo e confio na Igreja, nos credos históricos e nos pontos principais das doutrinas consolidadas. Acredito que a Igreja Reformada, sim, apresentou uma teologia superior, afastada do sincretismo católico, assumindo a autoridade bíblica e deixando de lado a autoridade cega nos bispos. Isso significou que a interpretação da Igreja só poderia ter autoridade se fosse baseada nas Escrituras (na mensagem de Cristo e dos apóstolos), e não se partisse das vontades do papado.
Há dois mil anos, os homens mais inteligentes que já tivemos se dedicam apenas ao entendimento e à consolidação do que esses textos quiseram dizer. Santo Agostinho já concluiu para mim; o que a minha conclusão pessoal representa perto da dele? Santo Tomás já leu os textos com os olhos da filosofia; esses homens, em estado de Santidade e dedicação, passaram décadas imersos nesse estudo. Por que eu vou ignorar a conclusão desses homens santos para confiar nas minhas interpretações pessoais? Eu, que mal tenho tempo para pensar em Deus por quinze minutos durante as três refeições.
Quando vamos fazer uma cirurgia, exigimos um médico que se dedicou a vida toda à atividade e ao estudo; quando queremos saber sobre as coisas de Deus, perguntamos – e damos igual atenção que daríamos aos Santos – aos nossos primos e amigos que mal sabem escrever uma frase corretamente. Precisamos urgentemente valorizar a autoridade da interpretação que é checada, consolidada e histórica.
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