Capitulo 1
Atualmente, nas universidades, somos expostos a todo tipo de filosofia — existencialismo, relativismo, niilismo — mas dificilmente ouvimos sobre as filosofias morais cristãs. O cristianismo é frequentemente ignorado como se fosse intelectualmente inferior, indigno de debate ou estudo sério. E não se trata apenas da negligência acadêmica: as próprias igrejas falham em preparar seus jovens para pensar intelectualmente sobre a fé. O resultado é uma geração de cristãos despreparados para enfrentar os desafios ideológicos de um mundo hostil.
Vemos empresários cristãos que aplicam com excelência os princípios de marketing e negócios do mundo secular, mas que jamais consideraram uma abordagem cristã para sua ética profissional. Famílias cristãs assistem aos mesmos conteúdos que qualquer não cristão, absorvendo, ainda que inconscientemente, os valores embutidos nessas obras. Isso revela uma triste realidade: mesmo com conhecimento técnico ou acadêmico, muitos cristãos permanecem frágeis em sua cosmovisão. Sabem operar sistemas, mas não discernem os princípios que moldam suas decisões.
Pensar cristamente vai muito além de frequentar cultos e conhecer versículos. Significa compreender como viver a fé em todas as áreas — política, economia, direito, ciências, artes — com um referencial enraizado na verdade de Deus. Infelizmente, o que vemos é uma vida cristã que se resume ao domingo, enquanto o restante da semana é vivido segundo os padrões do secularismo. O cristianismo se torna um apêndice espiritual, e não a estrutura de todo o pensamento e ação.
A Bíblia afirma que Jesus é o Logos, uma palavra grega que significa razão, sentido, estrutura inteligível do universo. Os antigos filósofos estoicos usavam esse termo para descrever a ordem racional que governa todas as coisas. Ao declarar que Jesus é o Logos, a Escritura está dizendo que Ele é o princípio por trás de todas as realidades — o motivo, o propósito, o sentido. Nada existe fora de Deus. Portanto, estudar qualquer disciplina, explorar qualquer área do saber, é — ou deveria ser — uma forma de descobrir mais sobre o Criador. Como diz o salmo: “Os céus declaram a glória de Deus.”
Mas como alguém permaneceria fiel a uma religião que só se interessa por 10% da sua vida? Que se manifesta apenas no culto de domingo e ignora todo o restante? Esse dualismo entre o sagrado e o secular empobrece a fé cristã. O trabalho “na igreja” é exaltado, enquanto o trabalho “no mundo” é visto apenas como uma obrigação para pagar as contas. Somos chamados para ser sal da terra, mas poucos nos ensinaram como temperar o mundo com a verdade de Cristo.
Isso se evidencia até mesmo em escolas religiosas, onde crucifixos nas paredes e orações matinais convivem com currículos que reproduzem a mesma visão de mundo secular das escolas laicas. A Palavra de Deus deixa de ser luz para o caminho, e os cristãos aceitam, sem crítica, tudo o que o mundo secular decreta sobre moral, verdade, ciência e cultura.
O secularismo sustenta a ilusão de que suas ideias são “neutras”, desprovidas de fé — e, por isso, seriam mais legítimas no debate público. Essa ideia nasceu no Iluminismo, que pregava que o ser humano poderia se despir de pressupostos e alcançar conhecimento puro, objetivo. Descartes, um dos pais do pensamento moderno, propôs que se deve duvidar de tudo até restar apenas o que não pode ser negado: “Penso, logo existo.” A razão, para ele, era o caminho para a verdade indiscutível. Ironicamente, Descartes era católico, mas sem perceber, ajudou a estabelecer uma filosofia que colocou a razão no trono — transformando-a em um ídolo.
O pensamento iluminista é, no fundo, contrário à visão cristã — que é mais humilde e realista. Agostinho, em A Cidade de Deus, não separa igreja e estado como alguns pensam, mas distingue duas formas de viver: uma voltada para Deus, outra voltada para o eu. Construímos a Cidade de Deus quando nossas ações são motivadas pelo amor ao Senhor; e edificamos a cidade dos homens quando seguimos nossos próprios desejos. Aqueles que pertencem à Cidade de Deus submetem-se à vontade divina. Já os que vivem pela cidade dos homens organizam suas vidas em torno de ídolos — ideologias absolutizadas que moldam sua visão do mundo.
A verdadeira questão, então, não é “qual ponto de vista é religioso e qual é racional?”, mas sim: qual é verdadeiro e qual é falso? Porque todos — cristãos ou não — vivem com base em compromissos supremos. Todos absolutizam algo. A diferença está em qual fundamento sustenta essa absolutização: o Deus verdadeiro ou um ídolo feito à imagem da vontade humana.
Isso não significa, portanto, que crentes e não crentes estejam sempre em desacordo ou que os cristãos sejam superiores em todas as áreas. Pelo contrário, muitos incrédulos demonstram maior excelência técnica ou intelectual em tarefas cotidianas. Isso acontece porque todos fomos criados à imagem de Deus — e, como tal, recebemos dEle faculdades mentais e dons que nos capacitam a compreender, explorar e desenvolver o mundo ao nosso redor. A Bíblia afirma que a chuva cai sobre justos e injustos, ilustrando que a graça comum de Deus atinge a todos, permitindo que mesmo aqueles que não O reconhecem colham frutos do Seu dom criativo.
Contudo, o que diferencia um cristão não deve ser apenas a habilidade técnica ou o sucesso prático, mas o sentido e o propósito que ele dá a essas coisas. Os gregos antigos, por exemplo, embora fossem brilhantes em muitas áreas, não conseguiam conceber que o universo pudesse estar em plena harmonia com leis matemáticas, pois viam a matéria como algo caótico e pré-existente ao pensamento. Já os pais da ciência moderna — muitos deles cristãos devotos — buscavam entender e governar a natureza por crerem que ela foi criada por um Deus racional e ordenado. A convicção de que o universo tem estrutura e sentido porque é obra de um Criador era o motor da investigação científica cristã.
Se os cristãos não aprenderem a olhar para o mundo através das lentes da cosmovisão bíblica, inevitavelmente adotarão lentes emprestadas de outras filosofias. E, como toda ferramenta molda o usuário, essas lentes influenciarão profundamente suas escolhas, valores e crenças — mesmo que ele continue professando a fé com os lábios. A Bíblia não começa com o plano de salvação, mas com a afirmação: “No princípio, Deus criou os céus e a terra”. Isso já estabelece o primeiro princípio de uma cosmovisão cristã: nada existe por si só, nada é autônomo ou autossuficiente. Tudo, absolutamente tudo, depende de Deus para sua existência e propósito.
Não há área neutra. Como afirma Colossenses 2:3, “em Cristo estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento.” Isso significa que até mesmo os assuntos considerados “não espirituais” — como engenharia, direito, medicina, arte ou agricultura — têm uma perspectiva cristã legítima e necessária. Negar isso é reduzir a fé a uma bolha mística, desconectada da realidade concreta da vida.
É verdade que todos nós fomos criados por Deus e, por isso, levamos em nós traços da Sua imagem. No entanto, também é verdade que fomos afetados pela Queda. O efeito noético do pecado — ou seja, sua influência sobre a mente e o entendimento humano — distorce nossa maneira de ver o mundo. A Bíblia ensina que o diabo cegou o entendimento dos homens para que não glorifiquem a Deus em suas vidas. Isso significa que todos nós, mesmo cristãos, podemos estar equivocados em nossas percepções. É possível que um ímpio esteja certo em um ponto e um cristão esteja errado, pois a graça comum atua em todos e o pecado afeta a todos.
Entretanto, há uma distinção fundamental: o sistema de pensamento do ímpio, por mais coerente que pareça, está alicerçado em uma estrutura que rejeita a verdade de Deus como fundamento. Por isso, mesmo que seus frutos aparentem sucesso ou até moralidade, sua filosofia de vida é construída sobre areia. Isso não nos autoriza a desprezar todo conhecimento secular, mas exige que o filtremos com discernimento, reconhecendo que a autoridade final sobre qualquer assunto pertence à Palavra de Deus.
Quando aceitamos sem crítica o entendimento secular como autoridade última, ignoramos a profundidade da Queda e agimos como se o ser humano ainda fosse perfeitamente capaz de compreender o mundo sem Deus. O primeiro mandamento — “Amarás o Senhor teu Deus sobre todas as coisas” — é o primeiro justamente porque é dele que flui todo o restante. Se não soubermos a quem adoramos, jamais entenderemos como viver. É por isso que a renovação da mente é tão central no processo de redenção.
Ser redimido não é apenas ser salvo de algo — do pecado, da morte —, mas ser salvo para algo: para retomar o propósito original de Deus para a humanidade. A redenção não termina na salvação pessoal; ela se estende à restauração do nosso modo de pensar, agir e criar. Desde o início, em Gênesis, vemos que o homem foi chamado a multiplicar-se, sim, biologicamente, mas também culturalmente — a expandir a presença de Deus na terra, não apenas através da plantação de igrejas, mas também na formação de comunidades, culturas e sociedades que reflitam a Sua glória.
Esse chamado é reafirmado no que teólogos chamam de mandato cultural: “Enchei a terra e sujeitai-a.” Isso não é uma licença para dominação egoísta, mas uma convocação para cultivar e transformar a criação com os dons recebidos do Criador. Cada vocação — seja como artista, médico, engenheiro, professor, mãe, empresário — é uma oportunidade de refletir o caráter de Deus, de expressar Sua beleza, ordem, justiça e verdade no mundo. É nesse contexto que devemos compreender nosso papel: como redimidos, chamados a reconstruir a cultura à luz do Reino.
0 Comentários