Ideologia prática e ideologia verbal
Um conceito que vale a pena ser compreendido com mais atenção é essa dissonância entre o que professamos e o que de fato vivemos. Às vezes isso é chamado de hipocrisia, mas nem sempre é. Em muitos casos, essa diferença é resultado de uma imposição da própria realidade. Uma coisa é aquele que declara valores apenas como aparência, e vive deliberadamente por outras regras. Outra coisa é aquele que realmente crê em determinados princípios, que tem um sistema de pensamento, uma ideologia, mas que, ao sair da teoria, dos livros, dos discursos, não consegue mais encaixar aquilo tudo na vida real.
Isso acontece porque todas as ideologias, sem exceção, são reducionistas. Elas dão conta apenas de uma parte da existência, de um recorte. Nenhuma ideologia é ampla o suficiente para abranger toda a complexidade da experiência humana. E por isso, quando se tenta aplicar determinada ideologia de forma integral e rígida no dia a dia, há um choque com a realidade. E ele é inevitável. Por isso, quando analisamos pessoas, discursos, comportamentos ou até líderes, precisamos lembrar que ninguém é a tradução prática da ideologia que professa.
Um niilista pode ter uma família e fazer juras de amor à esposa e ainda assim continuar sendo niilista. O que uma pessoa defende intelectualmente não será sempre aquilo que ela consegue viver na prática, seja por limitações humanas, seja pelas contradições do mundo, seja pela simples falta de força para ser fiel a tudo que crê.
Dessa forma, é perigoso tanto invalidar alguém por suas ações práticas quanto exaltá-lo por elas. Não podemos dar ouvidos a argumentos que tentam defender ou condenar um líder apenas com base em atos pontuais, como se eles definissem completamente seu caráter ou suas crenças. Sim, é verdade que os frutos revelam a árvore, mas também é verdade que frutos isolados não definem o coração inteiro de uma pessoa. A árvore pode dar frutos bons num galho e podres em outro. E a vida humana é exatamente assim, cheia de contradições e complexidades. Entender isso não é justificar erros, mas é reconhecer que entre o ideal e a prática há um abismo que todos nós, em maior ou menor grau, enfrentamos.
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