7.5 - Intermissão
A pergunta que fazem é: “Qual cristianismo?” Essa pergunta é coerente. O cristianismo é a religião mais difundida por diversas culturas e, por isso, é natural que existam diversas contextualizações da fé cristã. Entretanto, é importante notar que a maioria das tradições cristãs ortodoxas concorda nos fundamentos do cristianismo, como os primeiros credos da igreja — o Credo Niceno e o Apostólico. Ou seja, quase todo o cristianismo concorda com os pontos centrais da fé, como o fato de que Jesus não era apenas um mestre moral, mas Deus. Que um Deus trino criou o mundo bom, a humanidade caiu em pecado, Cristo morreu para nos restaurar e a igreja é a emissária dessa mensagem.
Alguns céticos, como Richard Dawkins, afirmam que nenhuma crença deveria ser levada a sério se não puder ser comprovada pela lógica ou pela validação empírica dos sentidos. O problema com esse racionalismo forte é que ele pressupõe ser possível assumir uma posição totalmente neutra e objetiva diante dos fatos examinados. Mas isso é impossível, pois todos nós trazemos conosco uma grande bagagem de experiências e perspectivas anteriores que influenciam nossa forma de pensar — queiramos ou não. O que se entende por “argumento racional” é, na verdade, uma alegação coerente com um conjunto de crenças oriundas de uma tradição específica. Alguns desses argumentos podem parecer coerentes com mais de uma tradição, mas é impossível formular provas racionais universais que convençam a todos sobre a existência de Deus. O que será racional para um não será para outro. Em outras palavras, mesmo os ateus não conseguem excluir completamente o fato de que, no fundo, desejam que o ateísmo seja verdadeiro.
Imagine o caso de um juiz que precisa julgar um processo de corrupção envolvendo uma empresa na qual ele já investiu muito dinheiro. Obviamente, ele deveria reconhecer que, por sua parcialidade (mesmo que subconsciente), não está apto a julgar tal caso. Da mesma forma, ao falarmos sobre fé e ateísmo, a forma como levamos a vida e onde investimos nosso tempo e afetos será crucial para nossa posição. Entretanto, diferentemente do juiz, neste caso não podemos declarar incompetência para julgar e simplesmente nos abster. Sendo assim, até mesmo os ateus mais convictos não estão sendo totalmente imparciais. Grande parte de suas convicções não pode ser provada por suas próprias ferramentas e depende, em grande medida, de preferências filosóficas.
Mas então, se rejeitarmos o racionalismo forte, teremos que cair no relativismo? O autor defende a ideia de um racionalismo crítico, que parte do pressuposto de que existem argumentos que, em maior ou menor grau, podem ser percebidos como verdadeiros por grande parte das pessoas — argumentos que, por sua coerência e abrangência, são mais razoáveis que outros. No fim, sempre existirá uma brecha ou motivo para fugir desses argumentos (por preconceito, orgulho ou teimosia), mas isso não significa que eles não sejam a melhor inferência. Podemos avaliar crenças, e mesmo sem provas absolutamente conclusivas para todos, algumas crenças se destacam por sua robustez. Exigir provas científicas de tudo que se afirma é injusto — nem mesmo cientistas sérios agem dessa forma.
Na própria ciência de Dawkins, sabemos que novos fatos podem surgir à luz do tempo, e muitas coisas ainda não podem ser provadas — e mesmo assim se crê nelas. Isso não quer dizer que, por não haver comprovação empírica imediata, a ciência não possa oferecer teorias melhores, mais verificáveis e coesas que outras. Uma teoria é considerada empiricamente viável se ela organiza a experiência e explica os fenômenos de forma mais coerente que qualquer outra — sendo aceita mesmo sem ser “provada” nos moldes do racionalismo forte.
A ciência acontece quando pesquisadores analisam dados e efeitos e, com base nisso, formulam teorias que explicam o funcionamento da realidade. Da mesma forma, cremos em Deus porque a presença d’Ele torna o mundo mais inteligível. Uma teoria com Deus como pressuposto explica com mais coerência o que vemos, sentimos e experienciamos.
Vários estudiosos defendem que a fé em Deus pode ser testada e justificada (ainda que não provada), seguindo essa mesma lógica. O astronauta que vai ao espaço e diz “não ver Deus” comete o erro de tratá-Lo como um objeto criado, como algo dentro da natureza que se verifica por instrumentos humanos. Seria o mesmo que um personagem de um livro subir até o sótão e, ao invés de encontrar outra parte da narrativa, esperar ver o autor da história. Como disse C. S. Lewis: “Cremos em Deus da mesma forma que cremos no Sol. Não cremos apenas porque o vemos, mas porque através dele vemos todas as coisas.”
A nossa busca por amor e beleza, da qual este mundo não é capaz de satisfazer plenamente; a sensação de que somos imperfeitos e, ainda assim, grandiosos e distintos do restante da criação; o desejo por propósito; a ordem natural do universo... Qual cosmovisão explica isso melhor do que o cristianismo? Experimente enxergar o mundo com os “óculos” cristãos e veja como tudo começa a fazer mais sentido. O autor de uma peça só pode ser reconhecido se ele se revelar dentro dela — e é exatamente isso que a Bíblia afirma. Deus não apenas deixou pistas de Si mesmo ao longo da narrativa: Ele mesmo entrou na história, encarnou-se como um de nós, morreu e ressuscitou, revelando quem Ele é por meio da mesma natureza que assumiu para que pudéssemos compreendê-Lo.
0 Comentários