Por que Tradições importam


 Tradições

Tradição é comunicar algo maior. Quando assumimos uma tradição e seguimos suas regras, estamos exercendo uma forma de linguagem. Ao cumprir certos ritos, símbolos e ações tradicionais, estamos dizendo algo que vai além de nós mesmos, estamos trazendo à memória, à mente e aos olhos dos outros uma mensagem complexa, carregada de significados que foram moldados por aqueles que vieram antes. Nos identificamos com uma história, com feitos, com pessoas, com um tempo. Estamos nos posicionando dentro de algo maior.

Muita gente hoje quer romper com tudo isso, quer quebrar tradições para poder expressar sua própria individualidade, sua originalidade. O problema é que, nesse processo, acabam não dizendo nada que possa realmente ser compreendido. Porque a comunicação, para ser real e efetiva, precisa de referências comuns, precisa de um campo compartilhado de experiência e linguagem. É através das tradições que esse campo é construído. Aquilo que comunicamos só faz sentido se existe um mínimo de pontos de referência entre quem fala e quem ouve. E quanto mais pontos de referência conseguimos acionar numa fala ou gesto, mais rica é a comunicação e mais chances temos de sermos compreendidos. Quem recebe a mensagem reconhece nela sentidos diversos, explicações e analogias que ampliam o entendimento. É por isso que utilizamos exemplos sobre o que queremos comunicar.

A tradição carrega isso. Quando nos expressamos por meio dela, falamos de algo que vai muito além do nosso pequeno eu, falamos com a ajuda de um imaginário histórico e coletivo, que traz à mente dos outros uma série de significados muito mais profundos do que nossos gestos ou palavras isoladas poderiam carregar. Quando falamos apenas sobre nós mesmos, de forma solta, sem ancorar o que dizemos em símbolos maiores, ninguém absorve nada de fato, porque o que é puramente interno é, por definição, ininteligível, fechado, e se expressa de forma pobre. Nesse caso, falamos pouco sobre quem somos e ainda dificultamos que o outro nos compreenda.

Tradição também é continuidade, é um esforço consciente de manter vivos certos significados e descobertas humanas, de modo que eles não se percam na história. E o único meio real de manter isso é por meio da linguagem e dos símbolos, que funcionam como pontes entre uma geração e outra. Se essas pontes forem destruídas, os significados se perdem, e será necessário reconstruir tudo de novo, com outros símbolos, em outro processo demorado de ressignificação.

Quando participamos de uma cerimônia de formatura, por exemplo, não estamos apenas recebendo um diploma. Estamos vivendo um rito que carrega consigo séculos de tradição acadêmica, que simboliza esforço, superação, passagem de fase e reconhecimento social. O uso da beca, o nome chamado em voz alta, o caminhar até o palco, tudo isso comunica algo maior. Assim também ocorre com festas religiosas, como a Páscoa ou o Natal, ou até mesmo um casamento tradicional. Esses rituais servem para reforçar um senso de pertencimento, nos colocam dentro de uma comunidade de significado. Eles falam com nossa mente, mas também com nossos afetos, provocam orgulho, reverência, alegria, e essa emoção compartilhada é uma das formas mais profundas de linguagem. Não é só teatro ou repetição vazia, é uma forma viva de ensinar, de fixar em nossa mente através da liturgia e de comunicar algo de forma mais abrangente, pois evocamos através do rito, uma semelhança com o que outros fizeram. Portanto, quando você faz uma cerimônia de formatura é como comunicar para si mesmo e para a sociedade que você foi reconhecido assim como outros competentes gênios da historia foram. Quando você realiza um casamento, está comunicando para  si mesmo e para a sociedade que aquela união não é uma relação confusa, ambígua e relativa, criada pelo momento,  mas uma união tão sagrada quanto outros grandes casais da historia. 

Conhecer e valorizar esses símbolos é, na prática, conhecer nossa história. Quem compreende os sentidos por trás de uma bandeira, de um hino, de um gesto cultural, começa a enxergar que somos parte de algo muito maior do que a nossa própria geração. Negar ou ignorar esse passado é viver com amnésia cultural, como se tivéssemos surgido ontem, sem raízes, sem enredo. As tradições nos ensinam não apenas quem fomos, mas também quem somos, e o que queremos preservar, onde estamos situados  no drama da história, o que se espera de nós e o que podemos fazer para melhorar. Elas funcionam como espelhos e janelas: nos mostram nossa face coletiva e nos permitem olhar para além de nós, para um tempo que nos formou. Por isso, conhecer o passado não é nostalgia, é consciência, é responsabilidade. E manter vivas as tradições é uma forma de honrar essa consciência.

Claro que existem tradições que precisam ser quebradas, porque carregam com elas opressões, mentiras, erros e feridas. Não estou dizendo que toda tradição deve ser mantida a qualquer custo. Mas é preciso cuidado. Não podemos brincar com tradições que remetem a coisas boas, que preservam valores e experiências importantes. Tradições não são absolutas, elas precisam ser analisadas, testadas, examinadas sob a luz da verdade e da vontade de Deus. Uma tradição que hoje causa pecado, escândalo ou dano apenas para manter uma aparência de sentido, já perdeu seu valor. Mas, por outro lado, é necessário reconhecer que tradições que duraram séculos, que serviram de base para sociedades inteiras, não podem ser descartadas com base em memes ou frases rasas de adolescentes na internet.

Não dá para permitir que a imaturidade, o anacronismo, ou essa ilusão de superioridade da nossa geração em relação ao passado nos leve a condenar aquilo que foi construído por comunidades inteiras, mantido e refinado pelo tempo. Antes de rejeitar uma tradição, é preciso digerir o que ela comunica, entender seus frutos, seus contextos. Uma tradição pode sim estar desatualizada, pode até estar causando mais confusão do que sentido, mas isso só pode ser discernido com honestidade e estudo. Não é o calor do impulso ou a ânsia por romper com tudo que deve guiar essa análise. Precisamos avaliar se a linguagem simbólica daquela tradição ainda produz benefícios reais ou se ela se descontextualizou a tal ponto que seus efeitos se inverteram.




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